O exemplo yoruga

Roberto Jardim
3 min readMay 18, 2022

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Faixa lembrando os desaparecidos uruguaios usada pelos jogadores do Racing (Foto: FocoUy/Ramiro Cicao)

POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden

O s clubes brasileiros deveriam olhar com atenção para o que acontece na Segunda Divisão do Uruguai. Não, não é por causa de algum talento com a bola nos pés, mas devido a ações institucionais de três times que disputam a competição.

A exemplo do que ocorre na Argentina há alguns anos, aos poucos, os clubes yorugas vêm lembrando a ditadura (1973–1985) para que um regime assim nunca mais volte a acontecer. Por enquanto só os quadros chicos, como são chamados os times pequenos, participam.

Ano passado, foi o Villa Española. Esse ano, se uniram aos Villeros, Racing e Miramar Misiones. Todos com apoio de suas pequenas e, ao mesmo tempo, gigantes torcidas.

A equipe do Racing com o recado “todos somos familiares” (Foto: redes sociais do Racing)
O Miramar e sua homenagem (Foto: redes sociais Miramar Misiones)
A torcida do Racing mandando seu recado (Foto: FocoUy/Ramiro Cicao)

A iniciativa mais marcante foi do Villa. o time do estádio Obdulio Varela foi à campo, no empate de 1 a 1 com La Luz, no domingo, dia 15, com os nomes de vítimas da ditadura no lugar da identificação dos seus jogadores.

A lista dos que foram lembrados (Foto: redes sociais do Villa Española)

Ao mesmo tempo, as acanhadas arquibancadas da cancha do bairro Parque Guaraní, em Montevidéu, receberam familiares dos desaparecidos. Todos com fotos dos seus entes queridos.

Familiares de vítimas da ditadura nas arquibancadas do Obdulio Varella (Foto: redes sociais do Villa Española)

Esse movimento acontece no Mes de la Memoria e antecede mais uma edição da Marcha del Silencio, realizada todo 20 de maio de 1996. Nessa época do ano os queridos irmãos uruguaios relembram o passado para que ele nunca mais se repita.

Isso, porque oi nesse período, em 1976, que a ditadura iniciada em 1973 recrudesceu o combate a todo e qualquer opositor ao regime. E nessa data, os corpos de quatro pessoas sequestradas em uma das ações da Operação Condor apareceram em Buenos Aires.

Aqui, vale um parêntese para explicar a Operação Condor: Denominada pelos perseguidos pela repressão de “coordenação repressiva”, a troca de dados sobre exilados entre as forças de segurança desses países era feita de forma clandestina. A aliança político-militar uniu, nos porões da repressão, as ditaduras de Paraguai (iniciada em 1954), Brasil (1964), Bolívia (1964), Chile (1973), Uruguai (1973) e Argentina (1976). Os integrantes tinham apoio da CIA, a agência de inteligência dos EUA. A Condor foi criada com o objetivo de coordenar a busca, prisão e eliminação de opositores a esses regimes instalados nos países do Cone Sul e, até, em outros continentes.

Os deputados uruguaios Zelmar Michelini e Hector Gutierrez Ruiz, mais Rosário Barredo e William Whitelaw foram capturados na capital portenha dias antes, junto com o médico Manuel Liberoff, que permanece desaparecido até hoje. Eles foram torturados e executados por um grupo composto por agentes do Uruguai e da Argentina.

E assim, desde então, todo quinto mês do ano, parte da população do país recuerda para no olvidar. E todo dia 20 é realizada a Marcha del Silencio, por verdad, memoria y nunca más. E por estarem nessa luta, os cuadros chicos yorugas dão exemplo aos clubes brasileiros.

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Roberto Jardim

Jornalista, dublê de escritor e pai da Antônia. Tudo isso ao mesmo tempo, não necessariamente nessa ordem. @Democracia_FC