O albanês destemido
Um jogador albanês entrou para a história do futebol na segunda-feira (19). Apontado como um dos melhores do seus seu país na atualidade, ele também passou figurar como um dos mais corajosos boleiros de todos os tempos. Senta aí que vamos tentar juntar os pontos para explicar por que esse albanês, uma música do século XIX e um time italiano e parte de sua torcida ganharam a mídia esportiva e as redes sociais.
POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden
Quem é ele?
Nascido em Shkodra, no Norte da Albânia, em 1994, Elseid Hysaj chamou cedo a atenção de olheiros italianos. Aos 15 anos, trocava o clube que leva o nome da sua cidade natal pelo Empoli, na região da Toscana, na Itália. Ali, finalizaria a preparação nas categorias de base como lateral-direito.
Entrou no time profissional em 2012 para, três anos depois, mudar novamente de cores. Suas atuações o levaram ao Napoli. Em paralelo, vinha tendo destaque na seleção albanesa. Com isso, no final da temporada 2020/2021, nova negociação: trocou o Sul pela região central, assinando com a Lazio.
Durante a pré-temporada, num momento de descanso, ele entoou a canção folclórica Bella Ciao — com apoio de muitos dos companheiros de time, diga-se de passagem. A reação da torcida mais fanática da equipe romana foi negativa. O lateral, porém, teve apoio da direção do clube romano.
Para quem não conhece as relações político-futebolísticas dessa história, vamos abrir um parêntese, ou vários..
Os partizans albaneses
Em 7 de abril de 1939, a Albânia foi invadida pela Itália. O movimento do exército de Benito Mussolini, que visava imitar seu amigo Adolf Hitler, aconteceu cinco meses antes do começo da Segunda Guerra, 1º de setembro.
Abandonada pelo rei Zorg, que fugiu para a Grécia dois dias depois da chegada das tropas italianas, a população foi dominada pelos fascistas até 25 de julho de 1943, quando a Itália se rendeu aos Aliados (EUA, Reino Unido e URSS), e passou às mãos dos alemães.
Assim como em outros pontos da Europa dominada pelos nazifascistas, os albaneses resistiram como puderam. Também criaram forças paramilitares. Seus integrantes eram chamados, como na Itália, de partizans. Daí, vem o nome de um dos principais clubes do país, o Futboll Klub Partizani, de Tirana.
E Bella Ciao, onde entra?
A canção cantado por Hysaj é muito mais do que uma música na trilha sonora da série espanhola La Casa de Papel. A versão original de Bella Ciao teria sido composta no final do século 19 como um canto das trabalhadoras rurais das regiões da Emilia Romagna e do Veneto.
Com a passagem do tempo, os versos foram mudando. Durante a Primeira Guerra (1914–1919), virou um hino contra o conflito. Nos anos do fascismo de Mussolini (1925–1945) nova alteração na letra a transformou em cântico de resistência dos partinzanos.
E a Lazio?
Aí chegamos à Lazio e à reação dos Ultras da Curva Nord. Apesar de não ter nenhuma ligação com Mussolini, Le Aquile, como é conhecida a equipe romana, tem uma ligação histórica com o fascismo. Essa aproximação se dá, principalmente, por conta dos torcedores mais fanáticos.
Extinta em 2020, a organizada Irriducibili sempre se mostrou admiradora do regime criado por Il Duce. Bandeiras e cânticos fascistas e neonazistas são comuns na curva norte do estádio Olímpico. Apesar da determinação judicial, seus integrantes fundaram a Ultras Lazio, e seguiram defendendo suas ideias.
O fanatismo, tanto pelo time quanto pelo regime autoritário, da torcida é reconhecido no mundo futebol. Para dar um exemplo, em 2001, quando o Parma tentou negociar o francês Lilian Thuram. O campeão do mundo em 1998, porém, recusou a transação com uma frase simples e direta:
Não jogo para fascistas!
Por isso, a cantoria de Hysaj foi encarada como uma ofensa e uma traição pelos ultras. Nas redes sociais, eles espalharam ataques ao albanês. Não ficaram só nisso. Para reforçar a revolta do grupo, expuseram uma grande faixa em uma via de Roma:
Hysaj verme, la Lazio é fascista!
O clube se apressou a se descolar dos Ultras e defendeu o lateral-direito, contratado a pedido de Maurizio Sarri, seu ex-técnico no Napoli. A direção emitiu um comunicado:
É função do clube proteger seu jogador e retirá-lo de situações em que ele está sendo usado para ganho pessoal ou político. O campo de treinamento deve continuar no clima de calma que tivemos até hoje.