Gracias por todo, Diego!

Roberto Jardim
4 min readNov 25, 2020

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Arte de Gonza Rodríguez publicada na revista argentina El Gráfico

POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden

Não vi Pelé, Garrincha, Beckenbauer e Cruyff jogarem. Só em vídeos, anos depois. Mas tive a sorte de acompanhar a carreira de Diego Armando Maradona. O Dieguito, El Pibe de Oro, El Barrilete Cosmico.

Foi o maior que vi no meu tempo. Mesmo que pela apenas TV. À distância.

Não tem pra Falcão, o melhor da história do meu time, o Inter, que vi de perto algumas vezes. Nem pra Sócrates ou Zico.

Muito menos para os craques de hoje, como Lionel Messi e Cristiano Ronaldo. Neymar, então, nem pra amarrar a chuteira.

O 10 argentino, mesmo limitado pela altura, às vezes pelo peso e por praticamente só jogar com a perna esquerda, era um monstro, um mágico, o senhor da bola, dentro de campo.

Como não lembrar do que jogou nas Copas de 1986 e 1990 (nessa com um dos tornozelos inchados). Como não lembrar o que jogou pelo Napoli, levando a equipe do Sul italiano a conquistas inéditas e inimagináveis.

Diego, acredito, era o realismo mágico aplicado ao futebol. Só isso explica ter feito o gol mais lindo de todos os tempos.

Um lance de realismo mágico aplicado ao futebol

Foi na Copa do Mundo de 1986. A Argentina tinha um time desacreditado — muitos dizem que ele conquistou o Mundial sozinho (um exagero). A equipe do técnico Carlos Bilardo foi ganhando confiança aos poucos. Jogo a jogo.

Nas quartas de final, contra a Inglaterra, Diego entrou em campo disposto a resolver a partida. Depois de abrir o placar com o gol “de la mano de Dios”, aos seis do segundo tempo, El Pibe de Oro se redimiu.

Aos dez, em uma arrancada de pouco mais de 50m, em 12 segundos, se livrou de sete marcadores e do goleiro, para marcar o gol que levou o narrador uruguaio radicado na Argentina Victor Hugo Morales a lhe chamar de gênio.

Lembro de assistir a esse lanche em uma TV 20 polegadas, na sala de casa. Aos 16 anos.

Nunca mais vi uma obra de arte como essa dentro de campo. Claro, me emocionei outras tantas vezes, mas uma beleza pintada em 12 segundos, 11 toques na bola e cinco dribles até a bola balançar a rede, nunca.

Como narrou Morales, foi a jogada de todos os tempos do Barrilete Cosmico. Foi um gol que só o realismo mágico criado por Gabriel García Márquez poderia ter descrito. Um gol que só um personagem do realismo mágico cotidiano, como Diego, poderia ter feito.

Claro que Maradona não foi apenas o grande jogador do seu tempo. Fora das quatro linhas também foi gigante. E como um gigante real que era, teve suas quedas, suas lutas contra moinhos de vento, suas derrotas e suas vitórias.

Caiu e se ergueu inúmeras vezes. Perdeu e venceu, como só os gigantes reais são capazes de fazer. Sempre acompanhado por seus vícios. Uma luta incessante, tal qual um Dom Quixote do mundo da bola.

Não há como negar, porém, que ele foi um gigante. O amor dos argentinos por ele, mostra isso. Até igreja criaram, tanta era a fé que os hermanos depositaram, depositam e, mais do que nunca, seguirão depositando, no craque cheio de defeitos.

Talvez por isso, pelos seus defeitos e seus erros, tenha sido tão grande, El Pibe! Afinal, ninguém está livre de tê-los. Muitos menos de passar a vida sem contradições e sem cometer erros. Sem derrotas, que também dão valor maior às vitórias.

O gigantismo do eterno 10 argentino se dava a cada queda. E a cada erguida de cabeça.

Por fim, vale lembrar que quando Diego tocava na bola, parecia apagar todos seus erros e imperfeições. Afinal, como ele mesmo disse uma vez, la pelota no se mancha. Ou, mal traduzindo suas palavras, a magia da arte do futebol apaga tudo. Mesmo que seja por alguns instantes.

Só o realismo mágico aplicado ao futebol explica um personagem da imensidão de Diego Armando Maradona.

Por isso, digo, gracias por todo, Diego! Vaya com Dios!

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Roberto Jardim
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Written by Roberto Jardim

Jornalista, dublê de escritor e pai da Antônia. Tudo isso ao mesmo tempo, não necessariamente nessa ordem. @Democracia_FC

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