Dia do Trabalhador e o futebol
POR ROBERTO JARDIM
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@bobbgarden
Que o futebol surgiu nas universidades britânicas, frequentadas então apenas pela elite da Grã-Bretanha — formada por nobres, banqueiros, industriais incipientes e toda uma série de endinheirados ligados ao mercantilismo e ao colonialismo, às vezes tudo isso junto –, todo mundo já sabe. Nas primeiras décadas, porém, o esporte se espraiou mundo afora, popularizando-se e tornando-se a preferência nas classes menos favorecidas.
E, como os patrões viram no jogo de bola uma forma de manter seus trabalhadores na linha, o movimento anarcossocialista viu ali uma forma de uni-los em torno das causas trabalhistas. Não tardou, então, a surgirem times originados na crescente massa operária das metrópoles mundiais, principalmente entre as décadas de 1880 e 1910.
Várias dessas histórias são contadas pelo espanhol Miguel Fernández Ubiría no livro Fútbol y Anarquismo, que investiga a proximidade entre o esporte bretão e os movimentos anarquista e socialista, notadamente vinculados aos sindicatos recém-surgidos. Por isso, nesse 1º de maio, Dia Mundial do Trabalho, vale recordar uma delas.
Antes, porém, vale anotar que, nas Américas — notadamente Argentina, Brasil, Chile, Uruguai e México — os desbravadores dessas aventuras eram oriundos, principalmente, da Espanha e da Itália. Daí à conexão ao socialismo e ao anarquismo de muitas dessas agremiações.
A maioria delas acabaram com o tempo. Das que continuaram existindo, poucas mantiveram suas cores originais — o vermelho e/ou o negro — e a associação à luta operária. A profissionalização do futebol, os cartolas normalmente vindos das classes mais altas e o mercantilismo que tomou conta do jogo escantearam qualquer lembrança libertária das origens desses times.
Então, chegamos à história que queremos contar, a do Argentinos Juniors. Para quem não sabe, o clube do bairro La Partenal, de Buenos Aires, deu ao mundo ninguém menos do que os craques Diego Armando Maradona e Juan Román Riquelme. Além disso, conquistou a Libertadores e o Mundial de clubes no ano de 1985.
Então, em 1904, o Bicho Colorado, como é chamado por sua torcida, surgiu da união de duas dessas outas equipes, ambas formadas em sua maioria por operários portenhos. Eram elas o Martires de Chicago, de Villa Crespo, e o Sol de la Victoria, de La Paternal. Os dois bairros da Zona Oeste de Buenos Aires eram o lar de inúmeros italianos e espanhóis de inspirações anarquistas.
O Martires homenageava diretamente a origem do Dia Mundial do Trabalhador. O nome se referia aos sindicalistas que haviam participado da manifestação em prol das oito horas de trabalho realizada na cidade norte-americana e que foram executados em 1º de maio de 1886.
Já o Sol tinha o nome inspirado em um hino dos socialistas italianos. Composta no mesmo 1886, a letra falava sobre “bandeira livre” e “o Sol do porvir”.
Assim, em 15 de agosto daquele 1904, esses dois times proletários, formados por anarquistas e socialistas de bairros periféricos da capital argentina, decidiram se tornar uma só equipe. E, tendo essa origem operária, a cor principal do clube recém-criado não poderia ser outra: o vermelho.