Copa do Catar, ver ou não ver?
POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden
Começa nessa semana mais uma Copa do Mundo. O Mundial do Catar, disputado de 20 de novembro a 18 de dezembro, é a 22ª edição da competição idealizada pelo francês Jules Rimet — a 11ª que acompanho. E, talvez, seja uma das mais polêmicas. É possível que fique ali, ali com a de 1978, quando o torneio foi disputado em meio à ditadura sangrenta da Argentina.
As realizadas em 1934, organizada pela Itália fascista, e em 1938, jogada na França já em meio às movimentações da Alemanha nazista — três meses antes do pontapé inicial, a Áustria havia sido invadida –, também poderiam entrar nesse ranking. Na época, porém, não se tornaram fortes os protestos contra essas Copas. Ou pelo menos não há registros disso.
O certo, no entanto, é que o torneio realizado no Catar, fora do período habitual devido às condições climáticas, tem ganho notoriedade não só pelo jogo em si. Ex-jogadores — como o alemão Philipp Lahm e o francês Éric Cantona — já anunciaram que não vão a Doha nem verão os jogos. Os protestos também ganham força entre as seleções que entrarão em campo.
Os times europeus anunciaram que seus capitães usarão braçadeiras nas cores do movimento LGBTQIA+ — a homossexualidade é crime no Catar. A Dinamarca divulgou um uniforme em homenagem aos Direitos Humanos — 6 mil operários morreram na construção dos estádios e outras estruturas e as situações análogas ao trabalho escravo são comuns no país. Vale dizer que a FIFA proibiu essas ações.
Torcidas espalhadas por toda a Europa também protestam. Manifestações pedindo boicote à Copa começaram na Bundesliga e se espraiaram por outras competições do continente, como os campeonatos Italiano e Francês.
Soma-se a toda essa questão política e geopolítica o posicionamento da FIFA ante o cenário. Se antes a entidade máxima tinha um discurso apenas apolítico — pelo menos no que se tem notícia –, hoje, entra um tempero a mais na receita: o dinheiro! Seja o que rola oficialmente, via marketing, ingressos e tudo o mais, seja o das negociatas que ocorrem praticamente desde 1974.
Vale dizer que, desde que o brasileiro João Havelange ganhou a eleição para ser o presidente da federação, a corrupção é palavra corrente na entidade. Tanto nas escolhas de dirigentes da instituição, como nas dos países que receberão os mundiais. Dessa forma, assim como em 1978, a manutenção do Catar como sede da competição tem muito mais a ver com contratos e subornos do que com qualquer outro ponto.
Dito tudo isso, é impossível criticar quem se recusa a ver esta Copa do Mundo. Ou, mesmo, qualquer outra. De outro lado, contudo, o mesmo acontece com quem a assistirá. Afinal, num Mundial, a História do futebol, isso mesmo, com H maiúsculo, é vivida em tempo real. Assim como podemos ver questões relativas à História do planeta.
Por isso, fico com Diego Maradona, que dizia “la pelota no se mancha”, ao afirmar que a magia do jogo de bola apagava suas falhas como ser humano. Também acompanho Eduardo Galeano, que a cada quatro anos se recolhia em sua poltrona e pendurava uma placa na porta de sua casa com os dizeres “cerrado por fútbol”.
Claro que sem deixar o olhar crítico de lado.