Copa do Catar, ver ou não ver?

Roberto Jardim
4 min readNov 14, 2022

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POR ROBERTO JARDIM
bobgarden@gmail.com
@bobbgarden

Começa nessa semana mais uma Copa do Mundo. O Mundial do Catar, disputado de 20 de novembro a 18 de dezembro, é a 22ª edição da competição idealizada pelo francês Jules Rimet — a 11ª que acompanho. E, talvez, seja uma das mais polêmicas. É possível que fique ali, ali com a de 1978, quando o torneio foi disputado em meio à ditadura sangrenta da Argentina.

As realizadas em 1934, organizada pela Itália fascista, e em 1938, jogada na França já em meio às movimentações da Alemanha nazista — três meses antes do pontapé inicial, a Áustria havia sido invadida –, também poderiam entrar nesse ranking. Na época, porém, não se tornaram fortes os protestos contra essas Copas. Ou pelo menos não há registros disso.

O certo, no entanto, é que o torneio realizado no Catar, fora do período habitual devido às condições climáticas, tem ganho notoriedade não só pelo jogo em si. Ex-jogadores — como o alemão Philipp Lahm e o francês Éric Cantona — já anunciaram que não vão a Doha nem verão os jogos. Os protestos também ganham força entre as seleções que entrarão em campo.

Cantona tem dito que não verá o Mundial. Foto Instagram do jogador

Os times europeus anunciaram que seus capitães usarão braçadeiras nas cores do movimento LGBTQIA+ — a homossexualidade é crime no Catar. A Dinamarca divulgou um uniforme em homenagem aos Direitos Humanos — 6 mil operários morreram na construção dos estádios e outras estruturas e as situações análogas ao trabalho escravo são comuns no país. Vale dizer que a FIFA proibiu essas ações.

Kane disse que usará a braçadeira arco-íris de qualquer forma. Foto: Twitter do jogador

Torcidas espalhadas por toda a Europa também protestam. Manifestações pedindo boicote à Copa começaram na Bundesliga e se espraiaram por outras competições do continente, como os campeonatos Italiano e Francês.

Na primeira foto, torcida do Bosussia Dortmund em jogo da Bundesliga. Na segunda, partida em Bolonha, Itália. Fotos: Instagram

Soma-se a toda essa questão política e geopolítica o posicionamento da FIFA ante o cenário. Se antes a entidade máxima tinha um discurso apenas apolítico — pelo menos no que se tem notícia –, hoje, entra um tempero a mais na receita: o dinheiro! Seja o que rola oficialmente, via marketing, ingressos e tudo o mais, seja o das negociatas que ocorrem praticamente desde 1974.

Vale dizer que, desde que o brasileiro João Havelange ganhou a eleição para ser o presidente da federação, a corrupção é palavra corrente na entidade. Tanto nas escolhas de dirigentes da instituição, como nas dos países que receberão os mundiais. Dessa forma, assim como em 1978, a manutenção do Catar como sede da competição tem muito mais a ver com contratos e subornos do que com qualquer outro ponto.

Dito tudo isso, é impossível criticar quem se recusa a ver esta Copa do Mundo. Ou, mesmo, qualquer outra. De outro lado, contudo, o mesmo acontece com quem a assistirá. Afinal, num Mundial, a História do futebol, isso mesmo, com H maiúsculo, é vivida em tempo real. Assim como podemos ver questões relativas à História do planeta.

Galeano parava tudo para ver a Copa. Foto: divulgação L&PM

Por isso, fico com Diego Maradona, que dizia “la pelota no se mancha”, ao afirmar que a magia do jogo de bola apagava suas falhas como ser humano. Também acompanho Eduardo Galeano, que a cada quatro anos se recolhia em sua poltrona e pendurava uma placa na porta de sua casa com os dizeres “cerrado por fútbol”.

Claro que sem deixar o olhar crítico de lado.

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Roberto Jardim

Jornalista, dublê de escritor e pai da Antônia. Tudo isso ao mesmo tempo, não necessariamente nessa ordem. @Democracia_FC